A ATIPICIDADE DAS MEDIDAS EXECUTIVAS NAS EXECUÇÕES POR QUANTIA CERTA: CONSTITUCIONALIDADE E LIMITES
Por Mozart Borba*
No presente artigo, o renomado Professor Mozart Borba, aborda as orientações jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça acerca do uso de medidas executivas atípicas para assegurar o cumprimento de decisões judiciais em execuções por quantia certa.
A execução por quantia certa, tradicionalmente, segue o caminho das medidas típicas previstas em lei, como penhora e adjudicação. Contudo, o Código de Processo Civil de 2015, ao prever no art. 139, IV, que o juiz pode adotar todas as medidas necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária, abriu margem para o uso de meios executivos atípicos. Essa previsão, inicialmente controversa, teve sua constitucionalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI 5.941, julgada em fevereiro de 2023.
No julgamento da referida Ação Direta de Inconstitucionalidade, o STF considerou válida a aplicação concreta de medidas coercitivas atípicas – como apreensão de CNH, passaporte ou proibição de participação em concursos –, desde que respeitados os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e que não haja violação a direitos fundamentais. O relator, Ministro Luiz Fux, enfatizou que tais medidas são constitucionais, mas devem ser utilizadas dentro de certos limites.
Além do STF, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também tem enfrentado a matéria. O julgamento do Tema Repetitivo 1.137 ainda está pendente de conclusão, mas precedentes relevantes já foram estabelecidos. No RHC 97.876/SP (4ª Turma, rel. Min. Luis Felipe Salomão), o STJ firmou entendimento no sentido de que medidas atípicas só são admissíveis após o esgotamento das vias típicas, desde que sejam proporcionais, necessárias e fundamentadas.
Outro importante precedente é o julgamento conjunto dos REsp 1.782.418/RJ e REsp 1.788.950/MT (3ª Turma, rel. Min. Nancy Andrighi), nos quais se reconheceu a admissibilidade das medidas atípicas – como apreensão de passaporte e suspensão da CNH – desde que observados requisitos como o contraditório substancial, a fundamentação adequada e a existência de indícios de patrimônio expropriável. Ressaltou-se, ainda, que tais medidas não podem ser adotadas de maneira indiscriminada.
O princípio da subsidiariedade é, portanto, fundamental para a validade dessas medidas. Antes de recorrer à atipicidade, o juiz deve verificar se os meios típicos de execução foram devidamente tentados e se mostraram ineficazes. A demonstração dessa ineficácia pode se dar inclusive por meio de execuções frustradas em outros processos contra o mesmo devedor, o que autoriza a adoção direta das medidas coercitivas excepcionais.
O respeito ao contraditório é igualmente imprescindível. A adoção de medidas atípicas exige a observância dos arts. 9º e 10 do CPC, permitindo ao devedor manifestar-se e influenciar na decisão. Essa exigência reforça a proteção contra decisões surpresa, assegurando maior legitimidade e legalidade ao processo executivo.
Ademais, a fundamentação da decisão judicial que concede medida atípica deve ir além de conceitos jurídicos vagos ou indeterminados. Como alerta o professor Marcos Minami (1), argumentos genéricos baseados apenas em dignidade da pessoa humana ou direito de ir e vir não satisfazem os requisitos do art. 489, §1º, II do CPC, sendo necessária a individualização e a justificativa concreta da medida.
Exemplos de medidas bem-sucedidas são observados na jurisprudência. Em 2023, o TJSC noticiou que um devedor quitou uma dívida de 16 anos apenas 21 dias após a apreensão de sua CNH. Tal fato ilustra a potencial eficácia dessas medidas, embora o sucesso de sua aplicação dependa sempre da análise do caso concreto.
Em síntese, a utilização de medidas executivas atípicas nas execuções por quantia certa foi legitimada pelos tribunais superiores, mas sua aplicação está condicionada a critérios rígidos. O julgador deve atuar com cautela, respeitando os direitos fundamentais do executado e observando a necessidade, subsidiariedade e proporcionalidade da medida, sempre com a devida fundamentação e após o contraditório
(1) MINAMI, Marcos Youji. Da vedação ao non factibile: uma introdução às medidas executivas atípicas. São Paulo: Ed. Juspodivm, 2019, p. 292.
*Mozart Borba é professor de Direito Processual Civil de cursos de graduação, pós-graduação e preparatórios para concursos. Membro da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo. Coordenador da Pós-Graduação de Direito Civil e Processo Civil da Faculdade 8 de Julho. Autor. Advogado.